Relicário de Idéias

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Sou uma pessoa feliz que adora a vida e que se orgulha disso

Thursday, September 02, 2010

Receita de casa


Ciro dos Anjos escreveu, faz pouco tempo, uma de suas páginas mais belas sobre as antigas fazendas mineiras. Ele dá os requisitos essenciais a uma fazenda bastante lírica, incluindo, mesmo, uma certa menina de vestido branco. Nada sei dessas coisas, mas juro que entendo alguma coisa de arquitetura urbana, embora Caloca, Aldari, Jorge Moreira e Ernanai, pobres arquitetos profissionais, acharam que não.
Assim vos direi que a primeira coisa a respeito de uma casa é que ela deve ter um porão, um bom porão com entrada pela frente e saída pelos fundos. Esse porão deve ser habitável porém inabitado; e ter alguns quartos sem iluminação alguma, onde se devem amontoar móveis antigos, quebrados, objetos desprezados e baús esquecidos. Deve ser o cemitério das coisas. Ali, sob os pés da família, como se fosse no subconsciente dos vivos, jazerão os leques, as cadeiras, as fantasias do carnaval do ano de 1920, as gravatas manchadas, os sapatos que outrora andam em caminhos longe.
Quando acaso descerem ao porão, as crianças hão de ficar um pouco intrigadas e como crianças são animais levianos, é preciso que se intriguem um pouco, tenham uma certa perspectiva histórica, meditem que, por mais incrível e extra-ordinário que pareça, as pessoas grandes também já foram crianças, a sua avó já foi a bailes, e outras coisas instrutivas que são um pouco tristes mas hão de restaurar, a seus olhos, a dignidade corrompida das pessoas adultas.
Convém que as crianças sintam um certo medo do porão; e embora pensem que é medo do escuro, ou de aranhas caranguejeiras, será o grande medo do Tempo, esse bicho que tudo come, esse monstro que irá tragando em suas faces negras os sapatos da crianças, sua roupinha, sua atiradeira, seu canivete, as bolas de vidro, e afinal a própria criança.
O único perigo é que o porão faça da criança, no futuro, um romancista introvertido, o que pode evitar desmoralizando periodicamente o porão com uma limpeza parcial para nele armazenar gêneros ou utensílios ou mais facilmente tijolos, por exemplo; ou percorrendo-o com uma lanterna elétrica bem possante que transformará hienas em ratos e cadafalsos em guarda-louças.
Ao construir o porão deve o arquiteto obter um certo grau de umidade, mas providencias para que a porta de uma das entradas seja bem fácil de arrombar, porque um porão não tem a menor utilidade se não supomos que dentro dele possa estar escondido um ladrão assassino, ou um cachorro raivoso, ou ainda anarquistas búlgaros de passagem pela cidade.
Um porão supõe um alçapão aberto na sala de jantar. Sobre a tampa desse alçapão deve estar um móvel pesado, que fique exposto ao sol ao menos duas horas por dia, de tal modo que à noite estale com tanto gosto que do quarto das crianças dê a impressão exata de que o alçapão está sendo aberto, ou o terrível meliante já esteja no interior da casa.
Não preciso fazer referencia à varanda, nem ao caramanchão, nem à horta e jardim; mas se não houver ao menos um cajueiro, como poderá a família viver com decência? Que fará a família no verão, e que hão de fazer os sanhaços, e as crianças que matam sanhaços, e as mulheres de casa que precisam ralhar com as crianças devido às nódoas de caju na roupa? Imaginem um menino de 9 anos que não tem uma só mancha de caju em sua camisinha branca. Que honras poderá esperar essa criança na vida, se a inicia assim sem a menor dignidade?
Mas voltemos à casa. Ela deve ter janela para vários lados e se o arquiteto não providenciar para que na rua defronte passem bois para o matadouro municipal ele é um perfeito fracasso. E o piso deve ser de tábuas largas, jamais enceradas, de maneira que lavar a casa seja uma das alegrias domésticas. Depois de lavado o assoalho, são abertas as portas e janelas, para secar. E quando a madeira ainda estiver um pouco úmida, nas tardes de verão, ali se devem deitar as crianças, pois eis que isso é doce.
O que é essencial em uma casa – e entretanto quantos arquitetos modernos negligenciam isso, influenciados por idéias exóticas! – é a sala de visitas. Seu lugar natural é ao lado da sala de jantar. Ela deve ter móveis incômodos e bem envernizados e deve permanecer rigorosamente fechada através das semanas e dos meses. Naturalmente se abre para receber visitas, mas as visitas dessa categoria devem ser rigorosamente selecionadas em conselho de família.
As crianças jamais devem entrar nessa sala, a não ser quando chamadas expressamente para cumprimentar as visitas. Depois de apertar a mão da visita, e de ouvir uma pequena referência ao fato de que estão crescidas (pois em uma família honrada as crianças estão sempre muito crescidas), devem esperar ainda cerca de dois minutos até que a visita lhes dirija uma pilhéria em forma de pergunta, por exemplo: se é verdade que já tem namorada. Devem então sorrir com condescendência (podem utilizar um pequeno ar entre a modéstia e o desprezo) e se retirar da sala.
Não desejo me alongar, mas não posso deixar de corrigir uma omissão grave.
Trata-se de uma gravura, devidamente emoldurada, com o retrato do Marechal Floriano Peixoto. Essa gravura deve estar no porão, não pregada na parede, mas em todo caso visível mediante a lanterna elétrica, em cima de um guarda-comida empoeirado, apoiado à parede. Pois é bem inseguro o destino de uma família que não tem no porão, empoeirado, mas vigilante, um retrato do Marechal de Ferro, impertérrito, frio, a manter na treva e no caos, entre baratas, ratos e aranhas, a dura ordem republicana.

Rubem Braga

Saturday, December 12, 2009

Entre o barro e o aço


As pessoas são formadas assim como os elementos, e sendo assim elas são de dois tipos distintos , ou elas são barro ou são aço.
As pessoas que são barro são formadas pela delicadeza da água . A partir de um bloco disforme estas pessoas se transformam em obras suaves com detalhes sutis e com uma atmosfera delicada.
As pessoas que são aço, em contra partida, são formadas pelo calor da forja e pelas marretadas que dão forma ao metal.
Até mesmo o forno que abriga os dois elementos é bem diferente. Na fornalha que aquece o aço o calor pode chegar a 1200°C, já o forno que aquece o barro não passa de 40 .
Vendo a diferença entre os dois as pessoas que são aço tendem desejar também serem moldadas pela água e manipuladas por sua delicadeza ao invés de serem forjadas nas pancadas e no calor ardente?
A verdade é que a recompensa vem quando os dois caem no chão.
Cair é o movimento mais comum a tudo que vive sujeito a gravidade, e como tudo no planeta terra está sujeito a ela é certo que um dia tudo irá cair. A grande soma em dinheiro se acaba, a alegria se esvai, a saúde finda e a morte chega. Pois, de quedas é feita a vida.
Quando o barro cai ele se quebra e se transforma em vários pedacinhos que não podem ser aproveitados, o antigo vaso de barro tem de passar o resto de sua vida sendo pedacinhos de barro quebrado.O aço por sua vez, como firme metal que é, quando cai se mantém o mesmo , muitas vezes ele até quebra o chão onde caiu, mas o aço se mantém inalterado.
Sei que muitas vezes o calor pode ser grande , falo isto por que eu também já senti o fogo, mas lembre que tudo tem um propósito maior .Depois de cada queda examine se você fica em pedaços ou se se mantém intacto,
Por que uma coisa é certa , todo mundo um dia irá cair!
Eu espero que você seja aço

Wednesday, September 30, 2009

a vida


A estrada não me mete medo, o que temo as vezes é o caminho , a caminhada o caminhar, viver é algo que se aprende vivendo .
As vezes a vida é como o mar, surpreendente e traiçoeira, as vezes trás uma corrente mais cruel que leva o barco para longe, as vezes trás uma tormenta pesada que assusta até os marujos mais experientes.
Mas as vezes a surpresa é boa , um bando de baleias dançando pelas águas, um grupo de golfinhos alegres ou uma brisa suave que acaricia o rosto.
Mas quando a vida não é aquática e o que se mostra é chão, terra, caminho , estrada, ai o surpreendente se encontra mais escondido , as vezes nem se percebe , o caminho guarda uma beleza tranqüila e uma esperança ansiosa, mas viver, viver não me assusta o me assusta mesmo é o caminho.

Wednesday, July 22, 2009

O POETA


O poeta vivia no campo, entre prados e bosques; porém, todas as manhãs, ele ia á grande cidade que ficava a muitas milhas de distância, envolvida em névoas tristes, no topo das colinas.
Todas as tardes, ele regressava.E á luz indecisa do crepúsculo,crianças e adutos juntavam-se á sua volta a fim de ouvi-lo narrar as coisas maravilhosas que vira naquele dia nos bosques, no rio e no topo das colinas.
E ele contava-lhes como os pequeninos faunos escuros e espreitavam dentre as folhas verdes do bosque.
Contava-lhes como os nereidas da cabelos esverdeados emergiam das águas cristalinas do lago, cantando para ele ao som das suas harpas.
Contava-lhes também como o grande centauro o encontrava no alto da colina e sorrindo galopava, envolvido em nuvens de pó.
Estas e muitas outras coisas maravilhosas o poeta narrava ás crianças e aos adultos quando se reuniam á sua volta, todas as tardes, enquanto as sombras se adensavam á aproximação do crepúsculo cinzento.
Contou-lhes histórias maravilhosas de coisas surpreendentes criadas pelo seu espírito, porque o tinha pleno de lindas fantasias.
Um dia, porém, o poeta, regressando da cidade grande através dos bosques, viu, de fato,os pequeninos faunos escuros espreitando-o dentre as folhas verdes.E, quando se dirigiu para o lago, as nereidas de cabelos esverdeados emergiram da água cristalina e cantaram para ele ao som de suas harpas.E também quando alcançou o topo da colina, o grande centauro galopou sorrindo, envolvido em nuvens de pó.
Naquela tarde quando, ao pálido crepúsculo, os adultos e as crianças se lhe ajuntaram para ouvir as coisas maravilhosas que vira naquele dia, o poeta lhes disse:

_ Hoje nada tenho para lhes contar; não vi coisa alguma.
Isso porque, naquele dia, pela primeira vez na sua vida, ele os vira de fato, e, para um poeta a fantasia é a realidade e a realidade nada significa.

OSCAR WILDE

Sunday, July 12, 2009


Dança- Pierre-Auguste Renoir

Tuesday, May 26, 2009

Operador poético


Pensar a literatura, é antes de tudo pensar o homem e o que o constitui, se como dizia Ezra Pound a literatura é linguagem carregada de significado , a literatura é também o significado carregado da inteiração humana .
Penso em água. Como palavra eu poderia dizer que ela é um substantivo apenas, livre de demais comprometimentos com sua significação,mas um significado imediato e asséptico poderia dizer que ela é fruto da composição química entre uma molécula de hidrogênio e duas moléculas de oxigênio ,além disto uma suposição elementar poderia também dizer que ela é o composto básico que origina a vida , uma vez que os seres humanos são majoritariamente formados pelos elemento água.Concepções abissais, apesar de possíveis, mas não restritas, mas não unilaterais pois o homem é capaz de ir muito além disto , o cristianismo dirá que a água é a palavra de Deus ,assim Jesus transforma a água em vinho , Moisés abre o mar vermelho mas o conceito é muito mais profundo do que o milagre em si; a literatura dirá por sua vez que a água é direção , que os rios são caminhos e que o mar é o infinito, imagens que direcionam um personagem e compõem o enredo mas que também discutem a própria vida.
Água pode além disso ser purificação, sutileza, calmaria ou profundidade; a água pode ser a alegria do semeador e a tristeza da colheita, pode estar ligada a alegria do nascimento e ao desespero da morte, ao bem , ao mal e a quantos dualismos o homem for capaz de pensar.
Da sucessão de significados destacamos a essência da linguagem, o homem assim que vê algo a nomeia, já dizia o grande Martin Heidegger,a condução deste significado do texto ao leitor e a sua inteiração com a infinidade de demais significados possíveis é o que torna a literatura uma tarefa complexa e desafiadora.
O operador poético, ou seja aquilo que deflagra o processo de inteiração entre o a palavra e o seu significado vai para além do superficial e se inteira no arcabouço do texto .Aquilo que está oculto no sótão da produção ficcional é o que determina a diferença entre um grande escritor e um mero escrevedor de palavras.

Tuesday, May 05, 2009

E há um tempo em que tudo muda...


Essa é uma história de uma menina de cinco anos o tempo é esse mesmo que ninguém sabe nem vê .
O lugar é uma cidade, onde havia uma casa e nessa casa uma família comprida, tinha um tio, uma tia, um avó e uma avô, e tinha as vezes uma mãe , um pai e uma menina de cinco anos.
A casa ficava depois de um corredor compridoooooo, desses que parece que nunca tem mais fim e quando a porta se abria , abria junto com ela um mundo inteirinho de coisas novas e engraçadas como tudo se parece na infância.
Um dia era infinitamente domingo e a menina bem cedo acordou, lá fora nem galo cantava , mas o sol esse já estava por ali brincando de esconder nas nuvens , a menina em noites bem felizes dormia com a avó e com o avô , assim juntinhamente,o quarto era tão escuro que o sol não conseguia clarear de tudo, a cortina vermelha bem fechada deixava a luz cor de rosa bem escura, uma montanha de travesseiros e cochas, almofadas de filó e avô e avó tornavam a cama o lugar mais seguro do mundo.
Mas a menina que não era boba nem nada levantava mais cedo pra ver o sol na cozinha e nem bem o sol aparecia , lá estava ela pronta para aproveitar cada dia novo que lhe aparecia , pois ela acreditava que nada nunca ia mudar.
Na cozinha havia um balcão comprido onde a avó guardava as lousas e os talheres todo branco, branquinho, tomava quase toda a parede , do outro lado , perto da janela pia, fogão e geladeira, mesa comprida posta com toalhinha bandeja , garrafa e xícara sempre estavam lá, pratos de ágata pra colocar feijão, torresmo , mandioca e mostarda , copo de alumínio pra arrumar o cabelo no reflexo e guardar suco gelado, gente feliz.
Sofá.... sofá de casa , pra ver avô dormindo em tarde morna , pra escutar história de dar medo a noite pra ver TV junto ou só saber que ele está por perto.
E assim a infância vai...de amanhecer em amanhecer no dia a dia, parece que nunca vai acabar.
Mas dia vem um vento apaga o corredor e a cozinha, apaga quarto, apaga avô e a menina sem nem escolha cresce tão rápido que nem mesmo consegue terminar o texto por causa de tanta dor....